Em audiência, testemunhas confirmam participação de coronel Brilhante Ustra em sequestro
Pela primeira vez na história do
Brasil, agentes da repressão foram confrontados por ex-presos políticos durante
audiência na Justiça Federal de São Paulo
Pedro Venceslau
No primeiro julgamento do Brasil
em que agentes da ditadura militar foram levados ao banco dos réus e
confrontados com testemunhas de acusação em uma ação criminal, três ex-presos
políticos confirmaram nesta segunda-feira, 9, durante audiência na Justiça
Federal de São Paulo, a participação do coronel reformado Carlos Alberto
Brilhante Ustra nos crimes de sequestro e tortura.
A audiência foi realizada para
ouvir as testemunhas do desaparecimento de Edgar de Aquino Duarte, que figura
desde 1973 nas listas de desaparecidos políticos durante a ditadura militar.
Ele foi detido em 1971 e levado inicialmente para as dependências do
Destacamento de Operações Internas do 2.º Exército (DOI-Codi), chefiado pelo
então major Ustra.
Mais tarde foi transferido para
a sede do Departamento de Ordem Política e Social (DEOPS), no Bairro da Luz. A
ação penal ajuizada pelo Ministério Público Federal contra os ex-agentes é de
sequestro, já que até hoje Edgar é considerado desaparecido, já seu corpo nunca
foi encontrado.
Brilhante Ustra alegou problemas
de saúde e não participou a audiência. Estiveram presentes os outros dois réus
da ação penal pelo sequestro de Edgar, os delegados Alcides Singillo e Carlos
Alberto Augusto, conhecido com Carlos Metralha.
Antes do início da audiência, o
delegado Carlos Augusto bateu boca com ex-presos políticos que estavam
presentes no plenário. “Não dá para aguentar estes presos tirando sarro”,
reclamou ele em voz alta, sendo em seguida repreendido pelo juiz que comandava
a sessão. Entre os presentes que acompanhavam a audiência estava Ariovaldo
Padilha, membro da Comissão da Verdade e pai do ministro da Saúde, Alexandre
Padilha.
Em seu depoimento, José Damião
Trindade, ex-integrante da Aliança Libertadora Nacional (ALN), relatou que
Ustra estava presente quando ele foi torturado por militares na sede do
DOI-Codi. Ele também confirmou que conviveu com Edgar Duarte na prisão.
Outra testemunha, Artur Machado
Sciavone, que também era membro da ALN, relatou ter sido agredido pelo próprio coronel.
“Ustra me deu um tapa de mão fechada na orelha que me provocou problema de
audição”, disse.
Sciavone relatou, ainda, que
Ustra fazia visitas regulares aos presos trajando uniforme e medalhas
militares. “Até na vizinhança sabiam que havia tortura ali”, relatou. O
ex-militante também afirmou que Brilhante Ustra sabia que Edgar estava preso na
sede do DOI-Codi. Edgar Duarte era fuzileiro e foi expulso das Forças Armadas
por se opor ao golpe militar de 1964.
Ele era amigo de José Anselmo
dos Santos, o Cabo Anselmo, que também foi fuzileiro, se opôs à ditadura, mas
acabou sendo cooptado pelo regime e tornou-se um agente infiltrado no meio da
esquerda. Na época de seu sequestro, Duarte usava nome falso, atuava como
corretor da Bolsa de Valores de São Paulo e não pertencia mais a nenhuma
organização de esquerda.
O MPF suspeita que foi
sequestrado, permaneceu detido durante quase dois anos e desapareceu porque
poderia por em risco o trabalho de agente infiltrado desempenhado pelo Cabo
Anselmo, com quem chegou a dividir um apartamento no centro de São Paulo.
Na saída da audiência, realizada
na 9ª. Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo, Carlo Augusto, que ainda
hoje é delegado de polícia, disse que “a verdade vai começar a aparecer agora
com os meus depoimentos”. Ele também revelou que pretende tentar um cargo
“político” no ano que vem. “Michel Temer é quem vai indicar o meu partido”,
afirmou.
“Vou deixar de ser delegado
operacional e ser político para desmentir estes facínoras sequestradores que no
passado deixaram o país correndo risco”. Segundo ele, o coronel reformado
Brilhante Ustra e o ex-delegado Sérgio Paranhos Fleury são “heróis nacionais”.
“Nós é que conseguimos impedir que o comunismo fosse implementado ensse País”.
Do lado de fora da audiência, um
grupo de militantes simpáticos aos réus empunhavam faixas e cartazes com
dizeres: “Fora Comissão da Mentira”, em referência à comissão da Verdade,
criada pelo governo federal para apurar abusos cometidos durante a ditadura, e
“Dr. Carlos Alberto, o Brasil agradece sua colaboração”.
Não havia manifestantes contra a
ditadura.
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